8 de fev. de 2010

Fazenda Lageado e Edgardia (Unesp)

Em sua trajetória histórica, as Fazendas Lageado e Edgardia têm desempenhado papéis distintos. Num primeiro momento funcionaram como grande propriedade fundiária particular, unidades produtoras de café. Em 1934, compradas pela Federação, as Fazendas foram transformadas em Estação Experimental, voltadas para o desenvolvimento de pesquisas agrícolas, e a partir de 1972, tornam-se uma unidade de ensino de nível superior. Recuperar a história desta Fazenda significa não apenas desvendar seu passado e sua inserção na própria história econômica, política e social brasileira, mas abrir caminhos para tentar entender o momento presente e definir os objetivos e as alternativas para o melhor desempenho de seu papel. Este documento é uma introdução à história do Lageado, um levantar de dados, fatos e acontecimentos que possa ser utilizado como ponto de partida para uma análise mais sistemática, propiciando debate mais aberto entre todos os que têm participado e feito a sua participação.

Uma Fazenda de Café

A formação, instalação e desenvolvimento das antigas Fazendas do Lageado e Edgardia como unidades produtoras de café, inserem-se num processo histórico mais amplo - a grande expansão da economia cafeeira ocorrida no "Oeste Paulista", no século passado.
O "ciclo do café" remonta às décadas de 1830/1840, desenvolvendo-se inicialmente no Vale do Paraíba. Em continuidade aos padrões da economia colonial, fundada na grande propriedade e na exploração da mão-de-obra escrava, a produção cafeeira atendia o mercado metropolitano, importador de produtos tropicais.
Entretanto, na segunda metade do século XIX, ocorreram transformações cruciais nas relações de produção e nas formas de apropriação da terra, que marcaram a própria evolução do capitalismo no Brasil e definiram toda uma estrutura de poder que caracterizará as primeiras décadas do século XX.
Neste sentido, a abolição do tráfico de escravos em 1850, e a conseqüente crise no abastecimento de mão-de-obra para a lavoura cafeeira, abriu perspectiva para o colapso do sistema escravocrata. A tentativa de atender à demanda de mão-de-obra pela introdução do trabalho livre estrangeiro, vinculou-se ao problema de redefinição da propriedade da terra. Não foi mera coincidência a promulgação, também em 1850, da lei de Terras, instituindo a compra como único título legal de aquisição de terras.
Assim, no momento em que se deu a introdução do trabalhador livre como substituto do escravo, estabeleceu-se nova forma de acesso à terra, que por sua vez garantiu as condições de submissão e exploração da força de trabalho. num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser cativo, num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa". (MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Livraria Ed. Ciências Humanas, 1979:32).
A partir da legislação de 1850, uma série de medidas deram suporte jurídico e financeiro para a grande expansão da economia cafeeira: o imóvel, e não mais o escravo, passou a ser a base das hipotecas; liberação de créditos hipotecários aos municípios do interior paulista; subvenção do governo à imigração estrangeira.
Nestas condições, ocorreu a expansão de novas fazendas de café no "Oeste Paulista", a partir de 1870, numa busca ávida por terras virgens e férteis. Esta expansão foi acompanhada por importantes transformações ao nível das forças produtivas, através do desenvolvimento do transporte ferroviário e da mecanização do beneficiamento do café.
O café chegou a Botucatu exatamente na década de 1870, e junto com ele, a Estrada de Ferro Sorocabana. (1889).
Em 1881, o doutor João Batista da Rocha Conceição, proveniente de Piracicaba, comprou do finado Alferes José Franco da Silveira, a Fazenda Lageado, pelo preço de 100 contos de réis.
Em escritura pública lavrada a 10 de novembro de 1881 a propriedade, medindo "cerca de três quartos de légoa de cumprimento e meia légoa de mais ou menos de largo" é descrita como sendo uma "fazenda de cultura" contendo: "cafezais de cinco a dez annos, um cafezal novo de pouco mais de dous annos ,e outro cafezal de Chacrinha quasi todo formado". Além disso, já existiam: " caza de morada, parte forrada e assoalhada que conta com cem palmos de frente com oitenta de fundos; coberta de telhas (...) e rebocada de cal...; caza de despejo; caza de deposito de café, cazas de máquinas, moinho , estrebarias, monjolo, doze quartos que servem de aposentos dos escravos".
São escassos os dados sobre a Fazenda durante a vigência da escravidão. E com a chegada do colono imigrante, parece terem sido poucos os negros que nela permaneceram. Nos depoimentos colhidos, houve referência apenas a um casal de ex-escravos que viviam na colônia "Três Casas".
Foi a partir de compras subsequentes de terras vizinhas (Salto, em 1884; Fazenda Terreiro da Pedra , em 1895 e partes da Fazenda Terceira Água, em 1896 ) que se configuraram as Fazendas Ligeado e Edgardia. Para cuidar dos grandes cafezais foi utilizado basicamente, o colono imigrante : italianos, espanhóis, portugueses, alemães e alguns japoneses. A medida em que se organizava a Fazenda, colônias foram constituídas: "Fazendinha" , "Três Casas", "Colônia Grande", "Chacrinha", "Seis Casas", "Olaria" e "Chafariz" no lageado, além de outros grupos de casas na Edgardia.
A venda das Fazendas Lageado e Edgardia para o Departamento Nacional do Café, em 1934 parece estar relacionada com a "crise de 1929" e a própria orientação política assumida pelo Estado, para enfrentar os reflexos dessa crise no Brasil.
Desde a República , o Estado passara a intervir cada vez mais nos destinos da produção cafeeira, adotando medidas protecionistas em defesa do produtor. Quando, no início da década de 1930, ocorreu uma queda vertiginosa dos preços internacionais de produtos primários, o Estado reafirmou a política de defesa dos cafeicultores e transferiu para o conjunto da sociedade o peso das vicissitudes da economia cafeeira.
"...a estrutura social e política baseada na grande propriedade agrária age como anteparo desta. A influência dos grandes proprietários nos governos da União e dos Estados faz com que o Estado se empenhe em amparar economicamente a agricultura (...)" (SINGER, P. Agricultura e desenvolvimento econômico. ln: Szmrecsányi, T. e O. Queda (orgs.). Vida Rural e Mudança Social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973:177).
Dentro desta perspectiva, é sugestivo, o encaminhamento da problemática com relação à Fazenda do Lageado.
Nesse momento de crise, o Departamento Nacional do Café, órgão oficial responsável pelos aspectos político e financeiro da cafeicultura, adquiriu e pôs à disposição do Ministério da Agricultura, um imóvel resultante da unificação das duas fazendas, Lageado e Edgardia, de 884 alqueires e 290.000 pés de café, no valor de 800 contos de réis.
Transformadas em Estação Experimental do Café , a fazenda passou a ser controlada pelo Serviço Técnico do Café, órgão do Ministério da Agricultura. O objetivo exclusivo da Estação seria: levar a efeito estudos completos sobre a cultura cafeeira.
Os primeiros anos de instalação e funcionamento da Estação Experimental foram marcadas por inúmeras dificuldades.
Relatórios elaborados pela direção denunciam a decadência e quase abandono das lavouras; o estado ruinoso e inaproveitável das instalações e benfeitorias; a dificuldade de conseguir mão-de-obra; o estado precário das estradas, caminhos e carreadores e a necessidade de instalações adequadas para pesquisa e experimentos.
Além das dificuldades materiais, surgiram problemas de ordem administrativa e financeira; constante troca de diretores, falta de financiamento e/ou má distribuição das verbas, etc.
Ainda assim, os Relatórios dão conta de inúmeros empreendimentos levados a efeito entre 1936 a 1939: tentativa de recuperação dos velhos cafezais; reedificação das colônias; política de "recolonização"; instalação de pequena usina hidroelétrica; instalação do posto meteorológico; início da instalação do horto para obtenção de essências florestais para plantio e distribuição e mudas; construção e inauguração do prédio da Diretoria e do Alojamento, além de residências para funcionários. Instalação do museu para prestar serviço de classificação do café e exposição permanente de amostras; instalação de galpão para exposição de máquinas de interesse para a lavoura. Além disso, data de 1939, a criação da Cooperativa de Consumo dos Empregados e do Clube Atlético Lageado.
Em 1939, ocorreu uma mudança na orientação e estrutura ministerial e todas as Estações Experimentais ficaram subordinadas ao Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícolas (depois, integrado ao Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuário, IPEAS).
Dentro da nova orientação, a Estação Experimental de Botucatu, de especializada que era, passou a diversificar suas culturas. Em convênio com o Instituto Agronômico de Campinas foram executados inúmeros trabalhos e pesquisas agrícolas. Ao lado do café, passaram a ser cultivados em caráter experimental; trigo, mandioca, amendoim, milho, cevada, vime, rami, sisal, etc.
Com relação à cafeicultura, apesar da diminuição sistemática dos cafezais (de 290.000 para 90.000 pés), foram desenvolvidos números trabalhos de pesquisas e ensaios de sombreamento, broca, restauração de velhos cafezais, espaçamento, enxertia, auto-fecundação, irrigação, coleção de espécies e variedades, etc. Os resultados destas atividades se encontram nos relatórios anuais da Estação, acompanhados de gráficos e rica documentação fotográfica.
Tanto os Relatórios como depoimentos colhidos, testemunham as décadas de 1940 e 1950 como fase de estabilidade, marcadas pela continuidade administrativa e dos programas desenvolvidos.
Apesar das freqüentes queixas de falta de recursos (a renda de produção não revertia para a Estação, novas máquinas e equipamentos foram introduzidos no trabalho a nível laboratorial e no campo.
A partir dos anos 60, as dificuldades aumentaram. Relatórios e depoimentos dão conta da situação de crise e decadência da Estação. Em 1966, o Boletim do Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuárias do Centro Sul, elaborado pela própria Estação Experimental de Botucatu, chama atenção para o Ministério da Agricultura assumir novamente uma posição em beneficio da cafeicultura reivindicando o retorno da cultura "para as ditas zonas ecológicas do café..." (IPEACS Em Notícias, 1966:6).

Uma Unidade de Ensino Superior

O encaminhamento da questão se deu no sentido de transformar a Estação Experimental em unidade de ensino superior, sobretudo a partir da instalação da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB).
O Decreto de 12 de dezembro de 1968, autorizou a União ceder ao governo do Estado de São Paulo a área, benfeitorias e instalações da Estação para utilização e instalação de uma unidade de ensino superior. A FCMBB e os órgãos de pesquisa do Ministério da Agricultura elaboraram convênio de pesquisas integradas visando dar prosseguimento aos trabalhos aí em andamento.
Entretanto, o comprador da propriedade fora o extinto Departamento Nacional do Café (DNC), e o legítimo possuidor da fazenda era o Instituto Brasileiro do Café (IBC), sucessor legal do DNC. Pela lei de 5 de dezembro de 1972, o IBC cedeu as Fazendas Lageado e Edgardia, a título gratuito, ao Estado, para instalação em caráter definitivo dos cursos de Medicina Veterinária e Ciências Agronômicas. Em caso de destino diverso do especificado na lei o imóvel será devolvido ao Instituto Brasileiro do Café.
A partir do momento em que se instala oficialmente, nesta Fazenda Lageado, a faculdade de Ciências Agronômicas (UNESP), todo um corpo de professores, alunos e funcionários passam a constituir um novo universo. Neste sentido, é imprescindível não só recuperar e preservar a história desta fazenda e todo o seu patrimônio, como se repensar e propor alternativas para sua nova história.
*Docente do Departamento de Economia e Sociologia Rural. A profa. Izabel de Carvalho colaborou na orientação deste texto.

Fonte: http://www.widesoft.com.br/users/pcastro/museucafe.htm

Um comentário:

  1. Que saudades de Botucatú, da Fazenda Lageado.
    Lembro-me muito das visitas que fazia-mos,muitas laranjas que as escolas forneciam aos alunos. Estudei na Escola Dr Cardoso de Almeida e morava na Rua Dr Costa Leite.
    Minha familia era grande, com 10 filhos, e a soluçao de um Ferroviário era vir para São Paulo,em 1968.Mas amo essa cidade linda,não esquecendo que trabalhei no antigo Peabirú Hotel com Sr Armando e Dna Eliza, que eram ótimos patrão.
    Também cantava nas rádios PRF8 e Municipalista.
    Boas lembaraças,e hoje estou com quase 60 anos, ecursando na Unip faculdade de Bacharel em Hotelaria,o qual era um sonho desde que trabalhava no Hotel da cidade.Pena que o casal não pode estar presente da minha formatura o nao que vem em 2011, porque sempre dizia a eles que quando eu pudesse faria a faculdade e nunca desisti.
    Só me resta muita Saudades da Cidade e amigos.

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